Pelas suas próprias vozes, Israelitas e Palestinianos reflectem sobre um ano catastrófico

Para alguns, foi a morte de um ente querido, talvez mais de um. Ou uma casa querida destruída. Um bairro, um meio de subsistência: desapareceu, juntamente com a sensação de que a vida poderia voltar a ser segura ou protegida. Uma paisagem de perda, que se estende até onde a vista alcança.

Um ano após os ataques de 7 de Outubro, alguns israelitas e palestinianos reflectiram recentemente sobre o estado das suas vidas e das respectivas sociedades. Aqui, em suas próprias vozes, está a crônica de um ano calamitoso.

NO INÍCIO

Naquela manhã de sábado, ao nascer do sol, centenas de agressores liderados pelo grupo militante palestino Hamas invadiram a barricada fronteiriça que cercava a Faixa de Gaza, atacando uma série de pequenas comunidades, um festival de música ao ar livre e várias bases militares. No sul Israel, cerca de 1.200 pessoas foram mortas e cerca de 250 outros feitos reféns.

“Minha filha mais nova me mandou uma mensagem: ‘Papai foi assassinado. Ajuda.'”

— Reut Karp, 43 anos, israelense, mãe de três filhos, do Kibutz Reim, que estava ausente no fim de semana quando ocorreu o ataque. Dois de seus filhos estavam com o pai e o companheiro dele no kibutz.

Soldados israelenses olham para um carro queimado em uma fila de carros queimados em um campo carbonizado.

Soldados israelenses inspecionam o local do festival de música Nova, no sul de Israel, onde mais de 360 ​​pessoas foram mortas durante o ataque de militantes do Hamas em 7 de outubro de 2023.

(Ariel Schalit/Associated Press)

“Tudo aconteceu tão rápido, mas ao mesmo tempo cada segundo parecia um ano. Tudo tão rápido e tão lento ao mesmo tempo.”
— Neohoray Levy, 25 anos, que sobreviveu ao ataque ao festival de música Nova, perto da fronteira de Gaza, que matou mais de 360 ​​pessoas.

“Não sabíamos o que iria acontecer [after Oct. 7]. Mas sabíamos que seria muito, muito ruim.”
— Saeed Ghanem, 25 anos, cidadão palestino de Israel, originário do norte do país, mas estudando engenharia em uma escola técnica em Jerusalém.

A GUERRA CHEGA A GAZA

Depois de expulsar os atacantes, Israel lançou uma campanha de bombardeio aquele viria a tornar-se num dos ataques aéreos mais sustentados e ferozes da guerra moderna, com o objectivo declarado de destruir o Hamas e libertar os reféns. Ataques aéreos implacáveis destruiu bairros residenciais inteiros, deixando milhares soterrados sob os escombros. Em poucas semanas, as forças terrestres israelenses entraram em Gaza.

“Uma vizinha nos disse que tinha visto a filha morta em seus sonhos. Então uma das minhas filhas me perguntou: ‘E o nosso pai? Por que ele não veio nos visitar enquanto dormimos? ”

— Sanaa al-Astal, mãe de quatro filhos, cujo marido verdureiro foi morto no sul de Gaza nos primeiros dias da guerra.

Sanaa al-Astal está com seus quatro filhos em Gaza.

Sanaa al-Astal está com seus quatro filhos em Gaza.

(Bilal Shbair/For The Times)

“No início, quando havia tantos foguetes o tempo todo, procurávamos fazer disso uma brincadeira com as crianças. ‘Oh, há uma sirene! É hora do sorvete!’”
— Naor Shalon, um judeu ultraortodoxo que vive na cidade de Nevitot, no sul de Israel, sobre os ataques de foguetes transfronteiriços do Hamas.

“Como eu gostaria que fosse 6 de outubro de 2023, de novo! Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas por Gaza, a vida era como uma rosa vermelha para nós. Era uma vida decente.”
— Mahmoud Attia al-Dali, 61 anos, antigo lojista no centro de Gaza, cujos tratamentos contra o cancro foram interrompidos após o início da guerra.

O LONGO CERCO

Homens e mulheres palestinos choram perto de corpos envoltos em branco.

Palestinos lamentam parentes mortos no bombardeio israelense na Faixa de Gaza, no hospital de Khan Yunis.

(Fátima Shbair/Associated Press)

À medida que os meses passavam com pouca trégua o bombardeio, o número de mortos em Gaza cresceu exponencialmente. Agora é de quase 42 mil, de acordo com as autoridades de saúde de Gaza. O opróbrio mundial aumentou contra Israel. Uma troca no segundo mês da guerra libertou mais de 100 reféns, mas as famílias israelenses estavam desesperadas para os restantes. E violência aumentou na Cisjordânia ocupada por Israelcom centenas de Palestinos mortos por Colonos israelenses e soldados.

Mohammed al Farra

Mohammed al-Farra, 19.

(Bilal Shbair/For The Times)

“A palavra ‘vida’ tornou-se apenas mais uma palavra para morte e tristeza. Um dos meus parentes, Abdullah, foi morto quando saiu para comprar pão. Tínhamos jogado cartas na noite anterior! Agora, sempre que jogamos cartas, pensamos nele, em como ele era um cara legal.”
— Mohammed al-Farra, 19 anos, estudante de Gaza da cidade de Rafah, no sul do país.

“Já vi muitas guerras, mas não assim. Você vê a rua? Nenhuma pessoa. Os jovens são presos. Ninguém pode se movimentar. A situação é muito ruim.”
— Fatima al-Masri, uma mulher palestina de 80 anos cujo marido é dono de uma loja de roupas infantis na Cidade Velha de Jerusalém.

“Meu primo foi assassinado e outro parente é refém. Tudo é um problema dentro de um problema, como uma cobra que se engole, sem cabeça e sem cauda.”

— Oren Levy, 62 anos, proprietário de um bar de sucos no mercado Hatikva, em Tel Aviv, originário do deserto de Negev, no sul de Israel.

Um homem está diante de uma barraca de sucos em um mercado em Tel Aviv.

Oren Levy, 62 anos, em sua barraca de sucos no mercado aberto Hatikva, em Tel Aviv.

(Eyal Warshavsky / For The Times)

“Eu sou de [the West Bank town of] Hebron, mas sou casado e moro em Jerusalém e, desde a guerra, é impossível viajar para ver meus pais. Aqui está o meu menor; eles não o conhecem.”
— Sundos al-Janaidi, 33, com Laith, de 7 meses.

DESLOCAMENTO

Sob bombardeamento quase constante, com os militares israelitas a ordenarem evacuações de uma área após outra, quase toda a população de Gaza estava em movimento. Pelas contas das Nações Unidas, mais de 1,9 pessoas — 90% da população — foram deslocadas, muitas vezes quando zonas seguras designadas se tornaram alvos. Em Israel, mais de 75 mil pessoas fugiram de casas na periferia de Gaza.

Uma mulher está com duas crianças perto de uma parede danificada.

Anwar Atef Badwan, 32 anos, com os seus filhos, Khaled e Sahara, numa escola pública danificada em Gaza. Eles foram deslocados 11 vezes.

(Bilal Shbair/For The Times)

“Eu sou o ganha-pão, o cozinheiro, aquele que traz baldes de água para lavar e cozinhar, aquele que carrega nossos pertences de um lugar para outro, vez após vez. Eu gostaria de poder, de alguma forma, encontrar nossa antiga vida.”
— Anwar Atef Badwan, 32 anos, deslocada 11 vezes, vivendo agora num acampamento com os seus dois filhos pequenos no centro de Gaza.

“Alguns de nossa comunidade [Kibbutz Reim] voltamos para casa, e alguns de nós ficamos em Tel Aviv, em dois prédios adjacentes, como um pequeno kibutz. É muito cedo para meus filhos voltarem. Meu filho, que agora tem 9 anos e meio, ainda não está pronto para visitar o túmulo de seu pai.”
— Reut Karp, que abriu um café em Tel Aviv com trabalhadores deslocados da periferia de Gaza.

Uma mulher transporta chocolates em uma vitrine de um café.

Reut Karp, deslocada de seu kibutz no sul de Israel, trabalha no Café Otef em Tel Aviv.

(Eyal Warshavsky / For The Times)

“Temos medo de mais deslocamentos. Eu morava em uma casa, mas agora moramos em uma barraca. Eu costumava ir à escola, mas agora só tento ajudar meu pai no trabalho de consertar celulares. Assim como a nossa casa, minha vida agora é um monte de cinzas negras.”

— Abdul al-Ziz Omran, 14, de Khan Yunis, Gaza.

Um adolescente e seu pai estão sentados em uma pequena tenda improvisada.

Abdul al-Aziz, 14 anos, vive com o pai numa pequena tenda improvisada em Khan Yunis.

(Bilal Shbair/For The Times)

“Quando as forças israelenses atacaram Rafah no início de maio, tivemos que seguir em direção ao norte. Depois, de norte a sul. Norte, sul, norte. Meu pai, que costumava ser o homem mais calmo, está muito estressado e triste. É como se vivêssemos em um pesadelo.”
— Mohammed Al-Farra, estudante de Gaza.

NÃO HÁ CAMINHO ADIANTE?

De ambos os lados, as pessoas falam que se sentem presas num momento de pesadelo que não terá fim. Os palestinianos em Gaza e as famílias dos reféns israelitas que podem ainda estar vivos em Gaza partilham um receio comum: que a sua situação seja esquecida.

“Às vezes, sentado sozinho, tenho medo de enlouquecer. Eu me pergunto o que nos fez chegar e testemunhar esse ponto de miséria humana. Nossa família está espalhada por toda parte. Crianças carregando litros de água! Tudo o que pude fazer foi o seguinte: fiz para meu neto de 7 anos uma pequena plataforma de madeira com rodas para ajudá-lo nessa tarefa.”
— Mahmoud al-Dali, o sobrevivente do câncer no centro de Gaza.

Mahmoud al-Dali começa a levantar a camisa para mostrar o ferimento causado pelo tratamento do câncer.

“Pergunto-me o que nos fez chegar e testemunhar este ponto de miséria humana”, disse Mahmoud al-Dali, 61 anos, cujos tratamentos contra o cancro terminaram com a guerra em Gaza.

(Bilal Shbair/For The Times)

“Se algo terrível aconteceu no passado – um acidente de carro, uma agressão sexual, um atentado a bomba em um ônibus – podemos dizer aos pacientes: ‘OK, isso acabou e agora estamos no futuro.’ Mas não podemos fazer isso. Talvez o dia 7 de outubro já tenha ficado para trás, mas a guerra ainda continua e nossos reféns não voltaram para casa.”

— Reut Plonsker, psicólogo clínico israelense que trata sobreviventes do ataque ao festival de música Nova.

Uma mulher está entre plantas em um pátio residencial.

Reut Plonsker, psicóloga clínica, em sua casa em Herzliya, Israel.

(Eyal Warshavsky / For The Times)

“Minha vida antes era cheia de felicidade. Eu daria qualquer coisa – dinheiro, propriedades, emprego – para ter minha família viva e segura. Perdi meus entes queridos e nada poderá trazê-los de volta.”
— Wael Ayesh, 50 anos, que antes da guerra dirigia um café na praia na Cidade de Gaza. Sua esposa e três de seus filhos, de 2 a 14 anos, foram mortos em um atentado a bomba em janeiro, após o qual seus corpos ficaram sob os escombros por 35 dias.

Um homem diante de uma tenda branca em Gaza.

A esposa de Wael Ayesh e três dos seus filhos, com idades entre os 2 e os 14 anos, foram mortos num atentado bombista em Gaza, em Janeiro. Seus corpos ficaram sob os escombros por 35 dias.

(Bilal Shbair/For The Times)

COMO PODE ACABAR?

As esperanças diplomáticas de um cessar-fogo em Gaza foram repetidamente frustradas. E agora uma nova crise se aproxima: A guerra reacendida de Israel com o Apoiado pelo Irã Grupo militante libanês Hezboláque ameaça incendiar toda a região. Muitos temem que o imenso sofrimento do ano passado possa ser apenas um precursor.

“Toda a sociedade é construída sobre cuidado e responsabilidade mútuos. Como judeu, devo me preocupar com outras pessoas, outras pessoas que não são judias. Estou aqui porque sou judeu.”
— Dalit Shemesh, 61 anos, participando de um protesto em Tel Aviv para pedir um cessar-fogo e um acordo de reféns.

“Pedimos a Deus o tempo todo por um acordo de paz. É como uma briga de família.”
— Uma mulher palestina que se autodenomina apenas Umm Soud, 56 anos, da cidade de Belém, na Cisjordânia, vendendo uvas na entrada da Cidade Velha de Jerusalém.

“Eu só rezo agora pela sobrevivência. Tudo mudou em mim, e tudo e todos ao meu redor mudaram.”

– Anwar Atef Badwan, mãe deslocada de Gaza.

“Durante muito tempo me senti culpado porque sobrevivi, quando perdi 10 amigos meus, quando outros amigos perderam o namorado ou namorada diante dos olhos. Eu pensei: ‘Por que eu, por que eu vivi?’ Minha resposta é tentar ser a voz, essa é a missão.”
— Neoray Levy, sobrevivente de um festival de música que agora defende cuidados de saúde mental para as pessoas afetadas pelos ataques.

Um homem com um urso olha para a câmera.

Neohoray Levy, 25 anos, que sobreviveu ao ataque do Hamas ao festival Nova, defende cuidados de saúde mental para as pessoas afetadas pelos ataques.

(Eyal Warshavsky / For The Times)

“Deus deixou minha filha Maria comigo. E ele a presenteou com uma nova garotinha, Abeer – eles deram a ela o nome da minha falecida esposa. Pelo menos posso abraçar alguém da minha família. Isso é o que tenho agora.”
— Wael Ayesh, marido e pai enlutado.

“Devemos prosperar novamente; a única outra opção é ficar na cama e chorar. Dentro de mim tenho um quarto da minha tristeza, mas não pode ser o meu dia a dia.”
— Reut Karp, proprietário de um café do Kibutz Reim.

“As pessoas não aprendem com a história; eles cometem os mesmos erros repetidamente. As pessoas querem possuir a terra sem compartilhá-la com outras pessoas. Se a guerra terminar, será temporária. Vai começar tudo de novo.”
— Padre Samuel Aghoyan, 86 anos, superior armênio na Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém.

Padre armênio Padre Samuel Aghoyan em foto de arquivo.

O superior arménio, Padre Samuel Aghoyan, mostrado numa fotografia de arquivo na Igreja do Santo Sepulcro, na Cidade Velha de Jerusalém, acredita que mesmo que a guerra termine, “será temporária”.

(Tara Todras-Whitehill/Associated Press)

O redator da equipe, King, relatou de Jerusalém. O correspondente especial Shbair relatou de Khan Yunis, Gaza.

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